Friday, May 22, 2009
Wednesday, May 13, 2009
O médico dos escravos
Eu Escrevi alguns textos para meu livro Cidades do Ouro. Esse primeiro é o "Médico dos Escravos" e está na parte do livro dedicada a Ouro Preto.
I Wrote some texts for my book Cities of the Gold. This first one is the "Doctor of the Slaves"
O médico dos escravos
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– Que é, menino, tá doido? Se o feitor te pega aqui de conversê…
– Chicôo, tô que não me aguento, Chicôo…
– Que foi?
– Meu dente, Chicôo. Tá doendo por demais, menino…
– Mas numa hora dessas, Calú?!
– E tem hora para essa porcaria doer, tem, tem?!
– Ara! Deixa eu ver isso. Vem aqui pro rumo da lamparina, vem…
– O que tem aí, Chicôo?
– Seu dente tá bom e é demais. Tá branquim, branquim.
– Mas pru mode de quê ele tá doendo, Chicôo?
– E eu vou lá saber, menino. Sou escaravo, não sou médico, alembra?
– Ai, Chicôo, e agora… esse trem não pára de doer…
– Porque você não vai no doutor Luiz Gomes Ferreira?
– Quem?
– Doutor Luiz Gomes. Sabe quem é não?
– Sei não.
– Ele está aqui em Vila Rica para tratar dos negros.
– Ié?
– É! E ele não cobra nada de nós. Além de médico, o homem
também faz feitiço. Ele tá acostumado receitar sangue de dragão, leite de
cachorra preta, leite de mulher parida de menina muié, defumação com dente de
caveira, ovo de coruja mal cozido, coração de corvo em pó, água de sepultura…
– Eca, Chicôo! Que porcaria toda é essa? Quem é o doido que vai beber água de sepultura?
– Ué, quem quer sarar bebe qualquer coisa, Calú.
– Mas isso vai sarar alguém, Chicôo? Tenha a santa paciência!
– Tá acreditando não, né? Conhece Quirino Coité?
– Lá de Santa Efigênia?
– O próprio. Ele tava com asma. O bicho vivia sem fôlego e sem trabalhar direito.
Aí, todo dia o feitor moía o bicho no pau.
– Coitado.
– Pois então, levaram ele no doutor Luiz Gomes e sabe o que ele receitou?
– Não faço idéia.
– Ele mandou o Quirino pegar dois gatinhos acabados de nascer, enfiá–los vivos numa
panela nova de barro e depois colocar no forno para secarem. Depois de um tempo
no forno, os gatinhos viraram pó e foi esse pó que curou o homem.
– Ave Maria, Chicôo! Eu é que não vou nesse doutor.
– Ih, deixa de ser medroso, Calú. Depois de cheirar esse pó-de-gato o
Quirino ficou com fôlego de menino novo.
– Tá bom, tá bom. Eu vou. Com essa dor de dente não dá nem para ter
medo…
– Olha, ele mora naquele casarão rosa, ali na rua Direita. Depois cê
volta aqui para me contar se sarou ou não sarou desse dente.
Passados dois dias…
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– Que é, menino, o que foi dessa vez?
– Chicôo, tô que não me aguento, Chicôo…
– Mas é aquele maldito dente ainda, Calú? Não te mandei ir no doutor Luiz Gomes Ferreira?
– E eu fui, Chicôo.
– O que ele receitou para ocê?
– Ele pediu para que eu arrancasse um dente de cachorro vivo, fazer um colar e
não tirar do pescoço nunca mais…
– E você fez o que ele pediu?
– Fiz. Sabe aquele cachorrão preto do Libório Perneta, que mora ali perto da
igreja de São Francisco?
– Sei. Um bichão enorme, da boca comprida…
– Ele mesmo. Ó, olha o dentão do bicho aqui no colar, ó! Tem até um restinho de sangue, ó…
– Então, você tirou o dente do cachorro, amarrou no pescoço e o seu dente
ainda continua doendo, Calú?
– O dente não tá doendo mais não, Chicôo… passou rapidinho.
– Mas então porque cê ainda tá nesse ai, ai, ai, homem?
– É que quando eu fui tirar o dente do bicho ele me mordeu bem aqui na…
– Nossa senhora, Calú! Você é um asno mesmo! Não podia ter arranjado um cachorro menor não?
– – Ai, Chiocôo, tá doendo demais… Chicôooo…
Doctor of the Slaves
– Chicôo! Oh, Chicôo…
– What is it boy? Are you crazy? If the master catches you here talking to me, he'll…
– Chicôo, I can't handle it anymore, Chicôo…
– What's the matter?
– My tooth, Chicôo. It's aching way too much, boy…
– Even now, it's still hurting, Calú!?
– Is there ever a time when something this painful doesn't hurt? Is there?
– Ah! Let me have a look? Come to the light where I can see it better, come…
– What do you see, Chicôo?
– Your tooth looks fine. It is as white as white can be!
– But then why is it hurting so bad, Chicôo?
– I have no clue, don't forget that I am a slave, not a doctor?
– Ah, Chicôo, but this darn thing won't not stop aching…
– Why don't you go to the doctor Luiz Gomes Ferreira?
– Who?
– Doctor Luiz Gomes. You know him, don't you?
– No, I don't.
– He live's here in Vila Rica, and takes care of us slaves.
– Yeah?
– Yes! And he does not charge us anything at all. And besides being a doctor, the
man also works in witchcraft. He has been known to prescribe all kinds of things, the
blood of a dragon, milk of a black dog, milk of a woman who has just had a baby girl,
smoked caveira's tooth, egg of a barely cooked owl, a powdered crow's heart,…
– Yuck, Chicôo! That's disgusting? Who is crazy enough to eat powdered crow heart?
– Well, someone who wants to be healed would eat anything, Calú.
– But is it really going to heal anyone Chicôo? Have mercy!
– You don't believe me, do you? Do you know Quirino Coité?
– From Santa Efigenia?
– Exactly. He had Asthma. He was constantly out of breath and wasn't able to
work right. So, everyday, the master would hurt him really bad with wooden stick.
– Poor thing!
– Anyway, they took him to the doctor Luiz Gomes and do you know what he prescribed?
– I have no idea.
– He told Quirino to catch two newly born kittens, put them in a new clay pan,
while still alive and stick them in the oven, until they dried out.
After a while in the oven,the kittens turned to dust and that's the dust that cured the man.
– Virgin Mary, Chicôo! I am not going to this doctor.
– Hey, don't be such a chicken, Calú. After one whiff of this cat dust, and that
Quirino was breathing like a new boy.
– Well, alright. I´ll go. With this tooth ache I can't afford to be afraid…
– Look here, the doctor lives in that large, pink house, there on Rua das Flores.
Later on, you come here and tell me if your tooth is healed or not.
2 days later…
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– What is it boy, what is it this time?
– Chicôo, I can't handle it anymore, Chicôo…
– But is it still the same cursed tooth Calú? Didn't I tell you to go to the doctor Luiz Gomes Ferreira?
– And I went Chicôo.
– What did he prescribe?
– He asked me to pull out the tooth of a living dog, string it on a necklace and not to take it off my neck…
– And did you do as he asked?
– I did. You know that black dog from Libório Perneta, the one who lives near the church of San Francisco?
– I know the one. An enormous animal with a huge mouth…
– Exactly. Just take a look at the large tooth here on my necklace! It still has a little bit of blood on it.
– Then, you took the tooth off the dog, placed it on your neck and your tooth still hurts, Calú?
– The tooth doesn't ache anymore, Chicôo… that went away really fast.
– Then why are you moaning and groaning like this, man?
– It's because when I was taking the tooth from that dog, he bit me right in the…
– My God, Calú! You really are dumb! Couldn't you find a smaller dog?
– Ah, Chicôo, it hurts a lot… Chicôooo…
I Wrote some texts for my book Cities of the Gold. This first one is the "Doctor of the Slaves"
O médico dos escravos
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– Que é, menino, tá doido? Se o feitor te pega aqui de conversê…
– Chicôo, tô que não me aguento, Chicôo…
– Que foi?
– Meu dente, Chicôo. Tá doendo por demais, menino…
– Mas numa hora dessas, Calú?!
– E tem hora para essa porcaria doer, tem, tem?!
– Ara! Deixa eu ver isso. Vem aqui pro rumo da lamparina, vem…
– O que tem aí, Chicôo?
– Seu dente tá bom e é demais. Tá branquim, branquim.
– Mas pru mode de quê ele tá doendo, Chicôo?
– E eu vou lá saber, menino. Sou escaravo, não sou médico, alembra?
– Ai, Chicôo, e agora… esse trem não pára de doer…
– Porque você não vai no doutor Luiz Gomes Ferreira?
– Quem?
– Doutor Luiz Gomes. Sabe quem é não?
– Sei não.
– Ele está aqui em Vila Rica para tratar dos negros.
– Ié?
– É! E ele não cobra nada de nós. Além de médico, o homem
também faz feitiço. Ele tá acostumado receitar sangue de dragão, leite de
cachorra preta, leite de mulher parida de menina muié, defumação com dente de
caveira, ovo de coruja mal cozido, coração de corvo em pó, água de sepultura…
– Eca, Chicôo! Que porcaria toda é essa? Quem é o doido que vai beber água de sepultura?
– Ué, quem quer sarar bebe qualquer coisa, Calú.
– Mas isso vai sarar alguém, Chicôo? Tenha a santa paciência!
– Tá acreditando não, né? Conhece Quirino Coité?
– Lá de Santa Efigênia?
– O próprio. Ele tava com asma. O bicho vivia sem fôlego e sem trabalhar direito.
Aí, todo dia o feitor moía o bicho no pau.
– Coitado.
– Pois então, levaram ele no doutor Luiz Gomes e sabe o que ele receitou?
– Não faço idéia.
– Ele mandou o Quirino pegar dois gatinhos acabados de nascer, enfiá–los vivos numa
panela nova de barro e depois colocar no forno para secarem. Depois de um tempo
no forno, os gatinhos viraram pó e foi esse pó que curou o homem.
– Ave Maria, Chicôo! Eu é que não vou nesse doutor.
– Ih, deixa de ser medroso, Calú. Depois de cheirar esse pó-de-gato o
Quirino ficou com fôlego de menino novo.
– Tá bom, tá bom. Eu vou. Com essa dor de dente não dá nem para ter
medo…
– Olha, ele mora naquele casarão rosa, ali na rua Direita. Depois cê
volta aqui para me contar se sarou ou não sarou desse dente.
Passados dois dias…
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– Que é, menino, o que foi dessa vez?
– Chicôo, tô que não me aguento, Chicôo…
– Mas é aquele maldito dente ainda, Calú? Não te mandei ir no doutor Luiz Gomes Ferreira?
– E eu fui, Chicôo.
– O que ele receitou para ocê?
– Ele pediu para que eu arrancasse um dente de cachorro vivo, fazer um colar e
não tirar do pescoço nunca mais…
– E você fez o que ele pediu?
– Fiz. Sabe aquele cachorrão preto do Libório Perneta, que mora ali perto da
igreja de São Francisco?
– Sei. Um bichão enorme, da boca comprida…
– Ele mesmo. Ó, olha o dentão do bicho aqui no colar, ó! Tem até um restinho de sangue, ó…
– Então, você tirou o dente do cachorro, amarrou no pescoço e o seu dente
ainda continua doendo, Calú?
– O dente não tá doendo mais não, Chicôo… passou rapidinho.
– Mas então porque cê ainda tá nesse ai, ai, ai, homem?
– É que quando eu fui tirar o dente do bicho ele me mordeu bem aqui na…
– Nossa senhora, Calú! Você é um asno mesmo! Não podia ter arranjado um cachorro menor não?
– – Ai, Chiocôo, tá doendo demais… Chicôooo…
Doctor of the Slaves
– Chicôo! Oh, Chicôo…
– What is it boy? Are you crazy? If the master catches you here talking to me, he'll…
– Chicôo, I can't handle it anymore, Chicôo…
– What's the matter?
– My tooth, Chicôo. It's aching way too much, boy…
– Even now, it's still hurting, Calú!?
– Is there ever a time when something this painful doesn't hurt? Is there?
– Ah! Let me have a look? Come to the light where I can see it better, come…
– What do you see, Chicôo?
– Your tooth looks fine. It is as white as white can be!
– But then why is it hurting so bad, Chicôo?
– I have no clue, don't forget that I am a slave, not a doctor?
– Ah, Chicôo, but this darn thing won't not stop aching…
– Why don't you go to the doctor Luiz Gomes Ferreira?
– Who?
– Doctor Luiz Gomes. You know him, don't you?
– No, I don't.
– He live's here in Vila Rica, and takes care of us slaves.
– Yeah?
– Yes! And he does not charge us anything at all. And besides being a doctor, the
man also works in witchcraft. He has been known to prescribe all kinds of things, the
blood of a dragon, milk of a black dog, milk of a woman who has just had a baby girl,
smoked caveira's tooth, egg of a barely cooked owl, a powdered crow's heart,…
– Yuck, Chicôo! That's disgusting? Who is crazy enough to eat powdered crow heart?
– Well, someone who wants to be healed would eat anything, Calú.
– But is it really going to heal anyone Chicôo? Have mercy!
– You don't believe me, do you? Do you know Quirino Coité?
– From Santa Efigenia?
– Exactly. He had Asthma. He was constantly out of breath and wasn't able to
work right. So, everyday, the master would hurt him really bad with wooden stick.
– Poor thing!
– Anyway, they took him to the doctor Luiz Gomes and do you know what he prescribed?
– I have no idea.
– He told Quirino to catch two newly born kittens, put them in a new clay pan,
while still alive and stick them in the oven, until they dried out.
After a while in the oven,the kittens turned to dust and that's the dust that cured the man.
– Virgin Mary, Chicôo! I am not going to this doctor.
– Hey, don't be such a chicken, Calú. After one whiff of this cat dust, and that
Quirino was breathing like a new boy.
– Well, alright. I´ll go. With this tooth ache I can't afford to be afraid…
– Look here, the doctor lives in that large, pink house, there on Rua das Flores.
Later on, you come here and tell me if your tooth is healed or not.
2 days later…
– Chicôo! Ô, Chicôo…
– What is it boy, what is it this time?
– Chicôo, I can't handle it anymore, Chicôo…
– But is it still the same cursed tooth Calú? Didn't I tell you to go to the doctor Luiz Gomes Ferreira?
– And I went Chicôo.
– What did he prescribe?
– He asked me to pull out the tooth of a living dog, string it on a necklace and not to take it off my neck…
– And did you do as he asked?
– I did. You know that black dog from Libório Perneta, the one who lives near the church of San Francisco?
– I know the one. An enormous animal with a huge mouth…
– Exactly. Just take a look at the large tooth here on my necklace! It still has a little bit of blood on it.
– Then, you took the tooth off the dog, placed it on your neck and your tooth still hurts, Calú?
– The tooth doesn't ache anymore, Chicôo… that went away really fast.
– Then why are you moaning and groaning like this, man?
– It's because when I was taking the tooth from that dog, he bit me right in the…
– My God, Calú! You really are dumb! Couldn't you find a smaller dog?
– Ah, Chicôo, it hurts a lot… Chicôooo…
Wednesday, May 06, 2009
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